12 de ago. de 2011

Melhor que o céu, pior que o inferno

E ambos morreram. Desorientados, seguiram conformados por um corredor. Não sabiam de seus estados post mortem, mas pressentiam que algo de muito intenso havia ocorrido com suas vidas. Não tinham forças para seguir por qualquer outro caminho que surgisse, sequer para questionar o que faziam. Não perceberam qualquer outra porta que não aquela, no fim da galeria. Tudo parecia instintivo e programado.
Os dois entraram e se viram dentro de uma espécie de sala de cinema, tão grande que não conseguiam vislumbrar seu fundo. O ambiente escuro à princípio era aconchegante e sem variação climática. Nem frio, nem calor.
No passar pelas cadeiras já ocupadas, observavam que uns riam, outros choravam de alegria, outros ainda de tristeza e alguns apenas lamentavam... E antes de chegarem aos seus devidos lugares, uma olhada para a imensa tela iluminada, que mostrava imagens desconexas, sons entrecortados, sem sentido algum. Mas então porquê verificaram tantas emoções diferentes naqueles rostos? Eram loucos? Ficaram loucos?
Bem... era hora de sentar, assistir e entender.
Assim que se acomodaram, imediatamente reconheceram as imagens que se seguiam. Lembranças se revelavam incessantemente na tal tela... À princípio, aos que deviam à lei, se sentiam envergonhados, medrosos dos demais conseguirem compartilhar de seus atos miseráveis. Mas não era possível. A cada vida, suas lembranças. De qualquer forma, a preocupação não durava mais que alguns instantes, visto que a intensidade das imagens logo fazia com que a vergonha diante do próximo fosse completamente irrelevante diante da vergonha de si mesmo...
E seria assim por tempo indeterminado, pelo tempo necessário, quem sabe, pela eternidade... Que importa?
Num dos presentes, o que este via era uma sequência constante de bons momentos, do quanto havia servido, do quanto havia se dedicado, se preocupado, abdicado de si, realizado pelos outros, respeitado, amado, cumprido, os equívocos evitados, as boas ações decididas. Amigos, depoimentos, reconhecimento...
Noutro, exibição lastimável do quanto de tempo e saúde foram jogados fora. O tanto que fugiu dos compromissos e das responsabilidades. O quanto se fez de cego e não buscou suas verdades, suas tarefas. Despreocupado, viveu inutilmente, destruiu, confundiu, iludiu.
Mas não era só isso. Tinham todos naquela sala, a medida exata e claríssima de seus atos. De todos os atos. Nem mais, nem menos. E é claro, a consciência falando em alto e bom som, no íntimo de cada um, como nunca antes haviam ouvido. Para alguns, uma voz suave e doce a lhes identificar os momentos de superação. Para outros, ressonância grave, soluçante, revoltada por uma vida inteira de negligência e silêncio forçado.
Aos mais justos, a satisfação de toda felicidade que a consciência tranquila pode trazer. As lembranças marcantes em seus pormenores, incansavelmente sendo reproduzidas e sempre aquela sensação plena de dever cumprido.
Aos mais inconsequentes, a angústia de toda a tristeza que a consciência pesada oferece. A dor e a lamentação pela oportunidade perdida que não volta mais, impiedosa, fazendo-os sofrer até a beira da loucura, mas sem enlouquecer.
E entre estes extremos, infinitas escalas que alternavam bons e maus momentos. Bendizendo os instantes de alegria e deplorando a dor moral, a maior de todas as dores!
Em cada cadeira, uma consciência. Em cada consciência, uma lembrança, um filme. Para todos, algo até então inimaginável e surpreendente. Tão intenso que não permitia sequer desviar o olhar.
E àqueles em que o 'céu' seria sua morada, nada daquele mísero par de asas, nada de arpa, complacência ou nuvens em marasmo. Muito pelo contrário! Emoções sobre emoções, mantendo o coração em contentamento permanente. E existiria coisa melhor? Viver revivendo aquelas imagens marcantes, de maneira tão viva que poderiam ser tocadas e revividas indefinidamente, sem qualquer sombra de tédio.
Agora imagine o que seria destinado àqueles em que o inferno seria seu destino? Nada de fogo eterno, nada de criaturas diabólicas ou dores físicas. Do mesmo modo, reviveriam cada situação de lástima, só que com a consciência espetando-os com acusações irrecusáveis em cada ato ou não-ato. Certamente TODOS esses pensariam: "-Antes fosse o inferno e seus martírios..."

3 comentários:

  1. Eu não sei como agradecer o seu comentário adorável,obrigada meu querido. Só devo lhe agradecer e parabanizar pelo o seu lindo texto.
    Tenha um bom dia.

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  2. É tudo sincero!
    Obrigado por aparecer por estas bandas...
    Beijocas!

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  3. querido, primeiramente eu quero repetir a mesma coisa que sempre falo quando chego aqui: quanto talento! parabéns por tudo isso!
    vocÊ parece que tira a insegurança,o instinto, o medo que há dentro de nós para descrever os seus textos que nos envolve intensamente do início até o final!
    continue escrevendo tão bem assim :)



    \tô aki retribuindo comentário, mto obrigada, pessoas como vc são a essência para a existência do meu blog


    http://diariodagarotadevariasfaces.blogspot.com/
    visita o meu blog? me dá esse prazer vai ;)

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