7 de ago. de 2014

Quantos quases mais...

Paperman - animação Disney + Pixar

Quase todo sábado, quase à noitinha, sempre que chego ao ponto de ônibus, lá está ela.
"Quase" porquê às vezes me atraso, às vezes o ônibus chega antes, ou ela sai mais cedo. Aí não a vejo e fica o hiato semanal sem o ar da sua graça.
Ela, uma moça jovem, alta, de cabelos castanhos, às vezes quase loiros, à espera do mesmo ônibus que eu.
Fazem alguns meses que a vi pela primeira vez, lembro-me bem. Estava acompanhada de outra moça, colega de trabalho, do mesmo salão de beleza.
De longe, disfarçando bem, não era difícil perceber nesta história que beleza mesmo era a dela.
Mas não sou de me render fácil. Não sou de entregar olhares de admiração como brinde a qualquer rostinho de anjo -até porquê percebi nos últimos tempos que sempre preferi as não tão bonitas. Mulher atraente pra mim, tem que ter alguma coisa na aparência que não a torne uma unanimidade em beleza. O que definitivamente não é o caso dela.
Pra falar a verdade, naquelas vezes, praticamente não a olhei diretamente. E mesmo assim, era evidente a graciosidade daquela delicada flor.
Passou a semana e o pequeno momento de colírio caiu no esquecimento.
Sábado seguinte, sem imaginar que a veria de novo, surpreendi-me com a repetição do encontro (sinceramente) despretensioso.
À porta do salão, esperando o ônibus, estava lá ela novamente.
Confesso que desta vez, sem o risco de ser flagrado por seus olhos, aproveitei-me que se posicionava de costas, e os meus olhos então se entregaram ao instinto de verificar-lhe a silhueta. Ah, nós homens...
Li suas formas e quase que me perdi naquele doce deleite. Bastou-me. (Ando procurando me impor limites diante do que me desequilibra...) Passei por ela e retomei imediatamente minha (aparente) sobriedade.
E também à mesma hora, larguei de ilusão. Conclui em definitivo: uma moça daquelas, em hipótese alguma poderia estar só. Certamente que já possuía compromisso sério e bem encaminhado. Afinal, quem, em sã consciência, não moveria céus e mares para ocupar-lhe com gosto e alegria o coração, a mente, o tenro terreno?...
E ainda que não, em que absurdo sonho caberia na minha vida? Logo eu, que olhando bem, era velho demais pra ela, além de tão limitado de recursos, de tempo, de lida. Era viagem demais...
É claro, sei bem, que mulher qualquer não se resume à superficialidade de seus jardins -por mais bem desenhados que sejam. Mas não era somente uma questão de profunda e ilustrada beleza o que me movia a atenção em sua direção. Agora, alguns sábados mais depois, após passar outras viagens no mesmo coletivo que ela, observando-a em secreto, refletia que, com toda certeza, aquela moça tinha algo muito, muito além da evidente formosura. Ela, na dela, sempre sentada mais pro meio do ônibus, ouvindo música, elegantemente discreta, olhos distantes. Apesar da exuberância de uma deusa, carregava um ar de simplicidade, numa vibração doce de atrair zangões à três por quatro...
Fora a vontade que me despertava de cuidar-lhe, de abraçá-la e colocá-la em meu colo... Aquilo me inquietava de verdade.
Por alguns bons segundos, me permitia pensar que ela havia me percebido. E só... (Até porquê não a encarar os olhos -para descobrir se isto fora verdade- me proporcionava a possibilidade de tal pretensão em forma de ilusão.)
E foi assim... Até o bendito sábado em que me atrasei feio. Sério, nem passava pela minha cabeça encontrá-la naquele dia. Estava muito corrido. Queria mesmo era chegar à tempo no meu destino, visto que detesto chegar atrasado -apesar de viver atrasado. E, ao invés de ir para o ponto de sempre, cortei o caminho, descendo a rua pelo outro lado. Calculei que, pelo horário, o ônibus já havia passado e, sabendo que antes de chegar ao dito ponto ele faria um verdadeiro tour pelo bairro, apertei o passo com essa intenção. Fui preciso. Mal apontei na esquina e ele também apontou ao local de parada. Dei um pique e consegui pegá-lo. Tudo normal...
"Tudo normal"?! Não! Bastou-me passar pela catraca e levantar os olhos para receber os dela ao encontro dos meus. Foi um olhar mínimo que me fez estremecer as fibras e rever questões. Um olhar despretensioso dela, com certeza. Foram milésimos de segundo daqueles olhos na minha direção, mas que me mostraram a euforia de neles estar. Que poder o dela... sem saber, sem querer.
"Impressão minha ou ela me olhou?"
"Será que isso aconteceu mesmo ou é mais uma obra da minha falta de noção?"
Claro que era a segunda opção. Eu sou muito babaca mesmo. A emoção de um menino por vezes cala a razão do homem. Onde já se viu isso?
Era flor demais pro meu canteiro. Era muito mar pro meu barquinho. Ah, se era!
Aquietei meu coração e o estacionei na sombra da realidade, acabando com as expectativas, cortando-as pela raiz da minha razão mais uma vez. Um basta na minha estúpida e sempre presente pretensão. E de fato, não tem o menor cabimento mesmo, toda ela e só isso de mim.
E lá se vai tempo nesta história... Já conheci outras pessoas, me envolvi, terminei, e nem por isso ela me deixa de chamar a atenção. Tenho lutado contra minha pretensão, diante da impossibilidade de algo entre nós acontecer. Tem sido dura a luta. Tentar me enganar não é coisa simples, mas sigo tentando, crendo que uma hora acredito na mentira de que ela pouco me importa, que é apenas mais uma pessoa que me cruza o caminho. Difícil... Pois que só não tendo sangue pra não pensar como seria estar ao seu lado...
E mesmo sabendo que ela nunca me olhará com os olhos que a vejo, sempre sobra a ponta de uma ilusão, uma esperança que não se cala.
E nessas horas, tudo parece ser possível... Ou quase nada.
Até mesmo cometer o abuso de abrir o jogo, e contar-lhe tudo isso. Talvez seja a única solução pra essa maldição que me persegue. Preciso acordar pra vida, voltar a olhar pro lado, em paz.
Por fim, descobri que tenho medo de não vê-la mais.
E se tudo continuar como está, faço questão de que ela tenha conhecimento do quanto sua simples presença transforma nossos curtos trajetos em grandes viagens minhas.

2 comentários:

  1. Tão lindo seu texto! Como menina boba que sou, achei perfeito. Cada linha, cada sentimento descrito, cada encantamento... Nem sei o que falar rsrs
    Beijos rimados pra você :*

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    1. Minha querida, se sonhar é ser bobo, então eu sou o chefe da repartição...rsrsrs
      E de fato, só você, com toda sua generosidade, pra achar esse texto perfeito.
      Mas mesmo assim, sou cara de pau e agradeço!
      Obrigado sempre.
      Beijo grande nesse bom coração.

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