29 de ago. de 2013

Comodidades Sentimentais


Foi sábado recente. Noite de alforria.
Na fila do cinema, começou a choramingar:
-Perdi... Ele sumiu mesmo. Nunca mais, uma mensagem mínima sequer... Até me excluiu do quadro de amigos dele no Facebook...

Sabedor dos altos da história, espetei:
-O que você queria? Eu faria o mesmo!

-Que horror! -lamentou minha franqueza.

A conversa era sobre uma amizade, que por não virar romance, acabou de vez.

-Ué... Você mesma dizia que o cara era parceirão, fechado contigo, que trocavam dezenas -DEZENAS- de mensagens por dia, que sentiam falta um do outro... -enumerei.

-Mas eu não queria perder aquela amizade por conta de um romance. Não queria me machucar e nem a ele. -justificou-se ela.

-...E acabou que perdeu do mesmo jeito. Está sofrendo aí. Não foi do jeito dele e nem do seu. E ainda ganhou de brinde essa agonia do "se"... Sei não, mas parece que você gostar é de se envolver com inimigos.

Ela, ainda tentando se justificar:
-Você não entende... É que ele também tornou-se tão amigo, tão próximo, sabia tanto de mim... Aí não dá, né... É muito arriscado se envolver com quem sabe tanto sobre minhas fraquezas... Por outro lado, ele me foi muito importante justamente por isso.

Eu, ainda acreditando que ela acordaria:
-Se você assumisse certas coisas logo de cara pra ele, talvez ele não alimentasse essa proximidade que o fez se apaixonar por você. Tipo: você dizer que não sentia desejo por ele, com todas as letras, que desse um basta bem dado. Mas não... Chegou até mesmo a dizer pra ele que em algum momento pensou estar gostando do sujeito. Que precisava de tempo pra se sentir finalmente livre.
Mania egoísta de se esquivar pra não assumir... Quando o cara estava perto, você se fazia de desentendida, fazia pouco caso da paixão dele; quando ele se afastava, você reclamava atenção. Ele certamente não é moleque. Aliás, é um cara de muita personalidade. Mas é normal isso aí de você lamentar depois de perder...

-Não pra conversar contigo sobre isso não... Você é muito chato... Fica dando lição. -reclamou ela, uma verdade.

Silêncio de alguns segundos. Voltei a atazanar:
-Vem cá, então: ele está fazendo falta?

-Muita. Minhas manhãs sem seu "bom dia", meu sono sem seu "boa noite", as conversas, as piadas, os desabafos... Sem a presença constante dele, tudo parece meio vazio, sem graça... -confessou.

-Então corre atrás, pô! Tá fazendo o que aqui comigo hoje? -chutei o balde.

Ela, fazendo aquele ar de conformada que a ninguém convence:
-Ah, não... Melhor deixar como está. Não quero mexer mais nisso, sabe...

-Se você prefere acreditar que "isso" não mexe mais contigo... é com a sua pessoa mesmo.
Peraí: então aquelas indiretas postadas publicamente seriam pra eventualidade dele visitar seu perfil? Ah, fala sério, né... Toma jeito, mulher!

-Chato! É por isso que a gente não deu certo junto! -respondeu a ranzinza.

Ri alto:
-Ih, nada a ver! A gente deu o que tinha que dar... Só isso. Agora olha nós dois aqui: depois de tudo, avaliados, resolvidos, prestes a assistirmos um filme na moral, sem maiores pretensões um com o outro, falando das SUAS roubadas... Não é o "máximo"?

Finalmente entramos na sala de exibição.
...
Sinceramente não entendo. Tem gente que só vê desejo no imprevisível, no inesperado, na adrenalina do momento... São os viciados no perigo, no frio na barriga. Vivem fazendo investimentos intensos mas com (previsível) curtíssimo prazo de validade. Certamente há quem prefira viver assim, há quem enxergue grandes vantagens nisso, no raso. Parecem esperar o maior prazer depois do fim: reclamar dos buracos em que entram.
O caso dela é exatamente assim: mulher beirando os trinta, solteira, com filho, independente, inteligente, atraente, bem humorada, boa conversa, bom coração, bonita... Tudo pra dar certo, mas atualmente só vive setando pras roubadas mais evidentes.
E o pior é que vem sempre com aquela velha e descabida história do dedo podre... Pra se ter ideia de como a coisa é complicada, o melhor cara que ela conheceu nos últimos tempos -segundo ela mesma diz- fui eu! Ou seja, a coisa anda preta!
Antes era o ex-marido que ela não fazia a menor questão de fechar a conta de vez, sabe-se lá porque...
Depois fui eu, com todos os defeitos e limitações que todo mundo aqui já está careca de saber.
Após, veio um namoradinho de adolescência (já devidamente comprometido) que muito mal só contou que era casado depois que levou o "troféu" pra cama -e que ainda aparece de vez em quando tentando "matar a saudade".
Ou ainda é um galante meia boca que todo mundo -inclusive ela- sabe que é o maior galináceo masculino de Jacarepaguá.
Aí, quando aparece alguém que realmente valha a consideração,  quer o infeliz apenas como um irmãozinho, um anjo da guarda, um guarda-costas miguxo... Quem aguenta uma parada dessas? Quanto maior a personalidade do sujeito, menos tempo de espera ele terá.
Tempo é vida, minha gente. Perdê-lo é pecado capital.
De fato, há uma boa dose de baixa auto estima, de consequente carência, e não menos uma generosa porção de afinidade com esse tipo de atitude.
Ah, e claro -por não querer correr atrás e por preferir viver na angústia da dúvida-, de orgulho também.

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