20 de mai. de 2013

A luz que cega, que ilude, que precipita

De preferência, ao som de Sorriso de Luz, na voz de Djavan.


A noite começava a descer, e um friozinho ainda suave tomava conta lá fora. Era início de outono. E o sujeito havia acabado de limpar o banheiro da casa onde morava. O celular tocou e seu coração foi junto atender.
-Queria te ver... Posso dar uma passadinha aí?
Tremeu, embrulhou-se, gaguejou:
-Deixa só eu tomar um banho rapidão?... Estava fazendo uma faxina meio sinistra aqui...
-Prendado você, heim? Ah, já estou chegando na sua rua... Agora é tarde. -disse rindo, daquele jeito dela.
Só teve tempo de calçar um tênis velho e descer.
Esperou na esquina, por menos de dois minutos. Aquele frio na barriga, típico de qualquer início, ainda cheio de expectativa sobre o porvir, repleto de querer ver, de curiosidade. Uma vontade louca de abraçá-la, beijá-la, senti-la.
Entre os vários carros que passavam na rua principal, um piscou os faróis duas vezes e ligou a seta. Foi se aproximando até estacionar no meio fio. De dentro, saiu a tão esperada figura, vinda de surpresa.
Estava linda, vestida como nunca. De sandálias de dedo, shorts, camiseta justa, leve, os cabelos meio molhados, presos. Um suave brilho nos lábios e aquele marcante perfume. Perfeita. Ele nunca a vira assim.
Enquanto fechava a porta do veículo, ia se explicando:
-Tive que ir comprar umas coisas no mercado pra levar pra agência amanhã. Meu pai emprestou o carro... Era a chance de dar uma passadinha aqui. Gostou da surpresa?
Ele olhava aquela pequena com tanto encanto que nada ouvia. E se nada ouvia, não sabia o que dizer. Tentava diminuir o embasbacamento, mas apenas sorria como um garoto. Aliás, sentia-se exatamente assim, um adolescente. E olha que já ultrapassara há tempos a barreira das três décadas.
Ela, a princípio, demonstrava estar tão segura de si que parecia mesmo não valorizar tanto aquele momento. Mas a impressão logo se desfez. Ao ficar a um palmo dele, fechou os olhos antes mesmo de enlaçar-lhe no pescoço. Colou-lhe o corpo. Aproximavam-se do esperado beijo. Ele, a caminho, percebia cada detalhe, da respiração quente ao seu hálito adocicado, a busca. Até o primeiro tocar dos lábios, o lanhar da língua nos dentes, o duelo instintivo da intimidade. Úmido, profundo, transbordando de sentimento, saudade, desejo, de tudo. 
Após, um longo e silencioso abraço, emoldurado de afagos, onde dedos delicados roçavam as peles arrepiadas, os cabelos enriçados. Olhos fechados, para apenas sentir ao outro, com a alma. Muitos minutos assim.
A pele trêmula, o frio aumentava por fora. Por dentro, era um calor só. Podia acreditar que não teria fome por dias, tamanho o grau do seu metabolismo naquele momento. As pulsações se confundiam. E ainda se perguntava como poderia algum dia ter sido visto por ela. Mais: como ela o permitiu detê-la, e dele decidir tomar alguma posse. Ele não tinha nada, não era nada além de um punhado de tentativas. A maioria delas até então desconhecidas.
Parecendo ler os pensamentos do pobre sujeito, respondeu aos seus questionamentos:
-Gosto de como você se comporta comigo...
-Sei... -continuou, sem nada conseguir dizer.
-Não vá estranhar o que vou dizer, mas sinto que te amo... -dizia forte, mas baixinho, entre lábios, tentando represar o que não deveria dizer, mas que de tão intenso, escapava-lhe sem jeito.
A força do abraço aumentou de lado a lado...
...
Que importa se ainda não havia tempo para atestar um sentimento tão exigente?
Importa que quando se quer, se vê, se ouve, se sente. E também se engana. É nisso que tanto erramos. Mas ali, naquele momento, esse detalhe ainda passava batido. Sabe aquela hora hora em que tudo parece perfeito, que aparenta ser inquebrável, invencível, ou no mínimo, superável? Era ainda aquela hora.
E além de abraçados, buscavam-se as mãos, cruzavam-lhes os dedos, tentando talvez prolongar a boa vontade que traziam no peito, diante da realidade que daqui há pouco surgiria. Todos têm suas dificuldades, suas imperfeições.
Mas ali, eles contavam com o tempo, que pelo menos por hora, havia parado.
E com a luz, que os cegara naquela ilusão.

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