29 de out. de 2011

Solidão


Por mais que se busque a espiritualização, por mais que ature-se e encare-se, existem horas em que a solidão não é uma companheira agradável. Pelo contrário, é bem indesejável.
Não vejo a solidão apenas pelo lado negativo. Não consigo mais... Aliás, faz tempo que a considero excelente oportunidade de paz e reflexão. Principalmente depois de tantos equívocos cometidos justamente por não desejar parar para analisar tendências, reconhecer falhas e corrigí-las a tempo.
Hoje, a solidão me pegou. Não de forma dramática. Mas é certo -tenho de admitir- que nem o receio pela perda da liberdade de tantas oportunidades, nem pela (quase) agradável autocompanhia que me presto, nem pelo prazer de poder desabafar nas palavras, nem pelo silêncio parceiro de tantas autodescobertas, nem pelos poucos -mas verdadeiros- amigos com quem posso realmente contar, nem pelos belíssimos livros que tenho em mãos ou pelas mais de cinco mil músicas e centenas de jogos arquivados em meu pc... às vezes, faz falta o carinho e a companhia que vão além da fraternidade.
Não é um beijo em si, porquê beijo por beijo, é sempre beijo. É pela textura, pelo sabor, pelo calor diferenciado do beijo, que foge do carinho que está ao nosso alcance, dentro de casa, seja de um familiar amado ou de um amigo querido. Não só os beijos, mas também os abraços, as conversas, os olhares e os algos mais...
Não é esse o caso, mas a solidão -em sua grande atuação- atinge até os mais cercados de companhia. Estes, não são solitários por falta de gente, mas sim, por falta de si. Não se encaram sós, não se aturam sem alguém ao lado. Porquê é dura a realidade de quem é vazio por preguiça de se buscar, de se compreender e de se transformar em alguém melhor. Dá trabalho mudar uma tendência mal adquirida. A coisa fica tão enraizada na alma, que dói muito observá-la por um segundo que seja. Que dirá então removê-la. Leva tempo, suor e até lágrimas...
É por isso que existe tanta gente ansiosa, gente que não pára um só instante sozinho, porquê se parar, vai ser obrigado a ver o que não quer. Ou ouvir o que não deseja: o clamor da própria consciência por uma nova conduta de vida.
A solidão pra uns é isso: o horror de uma alma vazia, sem qualquer traço de nobreza. Pra outros, ela é a liberdade de pensar, de agir, de sentir prazer com o silêncio, em meditação. E ela pode até mesmo ser uma liberdade mal interpretada. No caso, uma libertinagem, cheia de opções e oportunidades, pra se escolher, pra se sentir e se saciar das mais diversas maneiras, em outras pessoas, em outros vícios.
Quantas pessoas hoje se "unem" apenas por pura carência? Claro que isso não é uma coisa assumida. Afinal, há uma "disputa" em jogo...
De um lado, uma pessoa que não faz questão de assumir que o que deseja mesmo é o amor, mas que se entrega de corpo e alma, em silêncio, na esperança de, através do sexo, fazer o outro lado ser tocado pelo coração(?!)... Do outro lado, alguém que não faz qualquer questão de assumir que o que deseja apenas é a saciedade de suas sensações mais levianas, mas, também em silêncio conveniente, faz-se de desentendido, fugindo assim da responsabilidade do risco de ter de assumir um compromisso minimamente mais profundo.
O primeiro, em silêncio contra a perda do segundo. O segundo, em silêncio contra a perda do prazer parcial oferecido pelo primeiro. Culpa de quem? De ambos, claro. São culpados por não serem verdadeiros em mostrar suas intenções. São culpados por fugirem da sinceridade de seus sentimentos. São culpados por se entregarem sem valor, em troca de migalhas que não saciarão nunca os anseios de suas almas, de suas consciências. Abrem mão de uma ferramenta sagrada que é a comunicação. Tudo por carências desequilibradas e convenientes. Hoje, com o nosso atual estado de noção e decisão, cada vez menos existem justificativas para tendências de pura conveniência.
Não é que buscamos alguém. Na verdade, fugimos de nós. Do compromisso que temos com a nossa própria (in)aceitação e melhoria. Não estou falando de conquistas materiais. Isso é fácil e superficial demais perto das conquistas internas. Superar nossas tendências viciosas, combater nosso egoísmo, corrigir nossa personalidade rebelde... é coisa possível, mas extremamente trabalhosa e dolorosa demais pra seres superficiais como nós. Deixar a crisálida requer esforço, mas já observaram a transformação da asquerosa lagarta?
O que será o futuro? Alguém duvida de que seja a consequência do presente? Então, se o hoje é o futuro do ontem, estamos sofrendo a consequência do passado. "Ah, mas eu sou jovem..." -diriam muitos. Então, no mínimo, a sua solidão é um mal necessário ao seu presente. Já disse aqui que tem gente que enxerga no fato de encontrar alguém, a solução de todos os seus problemas, a razão de toda sua felicidade, um objetivo de vida. Imagino a pressão a que será submetido aquele que cruzar o caminho dessa pessoa...
Se até mesmo ter um alguém qualquer é consequência de algumas atitudes, como esperar que ter "aquele" alguém seja fruto da nossa insistência em querer ter -a todo e qualquer custo- esse alguém? Nada nessa vida é fruto do acaso ou da coincidência como nos acostumamos concluir.
Causa e efeito. Atos e consequências. Ação e reação. Uma coisa sempre depende de outra, compreenda você ou não.
Mas voltando à solidão num nível mais sadio... têm horas que é meio indigesta mesmo.
Engraçado que mesmo que você tenha passado longos períodos digerindo a idéia de que "nem todo momento é bom pra querer não estar só", mesmo quando você sente em sua mente que a coisa está aparentemente bem resolvida... Basta uma música, uma pessoa que lhe cruze o caminho, um olhar mais atencioso, um perfume mais alertante, um desses detalhes tão sutis e ao mesmo tempo tão marcantes... pra te fazer rever todas as suas convicções, pra te fazer desejar uma nova tentativa, uma nova oportunidade.
É nessas horas que percebo que não sou o super-herói que pensava já ser... Que nem tudo -ou quase nada- está sob plenos controles. Que a vida pode ser surpreendente a qualquer momento. Que toda hora é hora de se aprender algo novo, de reconhecer que não se sabe ainda nada sobre a vida. Que quando o coração se aperta, automaticamente a garganta seca, a respiração se altera, os passos cambaleiam, e o desejo de ter mais que a si mesmo se apresenta, varrendo a alma de lado a lado, de cima a baixo, sem dó nem piedade da -nem mais tão valorizada- liberdade conquistada.
Nem por isso qualquer desespero me seria justificável. Não estou mais em tempo de ver na carência física a oportunidade para encher a cara, pra sair pela noite catando qualquer pessoa, assumindo (irresponsavelmente) compromissos com pessoas dominadas por carências diferentes das minhas. Não chego mais a esse ponto. Disso eu tenho certeza absoluta.
Me permito meditar antes do próximo passo, antes de me preciptar. Já chega de machucar, de magoar, de desequilibrar quem cruza meu caminho. Basta de sair sujo das vidas que me via embrenhar sem consciência alguma de que as feria. É também por isso, pela (in)certeza do que quero realmente que, muitas das vezes, opto pela solidão.
Agora eu sei esperar. Sei reconhecer o meu melhor momento pra não estar só. E esse ainda não é o momento em questão, por mais que eu enxergue alguém que (talvez) possa me tirar da solidão.
Não quero a piedade por estar só. Até porquê vislumbro sempre novas possibilidades... Apesar de tudo o que já vi e vivi, ainda sou um sujeito otimista.
Não é isso. Apenas quero mostrar que, assim como ninguém é completamente dependente do afeto alheio, ninguém também é tão auto-suficiente assim. Se for, cuidado: pode estar doente.

6 comentários:

  1. Eu gosto da solidão escolhida, que aí não é uma condição, é um estado. Gosto da companhia das pessoas mas também gosto muito da minha própria e não sinto necessidade constante de ter alguém por perto porque estando comigo me considero bem acompanhada.

    Gente que precisa de vida social intensa de segunda à segunda deve sofrer muito, acho assustador viver assim.

    Um beijo, Flávio.

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  2. Acho que solidão é uma coisa necessária, mesmo que não seja sempre, as vezes é melhor ficar sozinho e pensar, refletir.

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  3. Você é das minhas, Luna...
    Penso que primeiro é preciso ser feliz sozinho para, só aí, fazer alguém feliz.
    Mas está cheio de gente que se parar um segundo sozinho, entra em parafuso. Por insatisfação consigo mesmo.
    Beijocas!

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  4. Grande Cleber, sem dúvida!
    O problema é que o pessoal quer fugir de si. Não quer justamente parar para pensar, refletir...
    Abração e obrigado pela presença!

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  5. É verdade meu caro amigo, a solidão é uma gostosa companhia, "a solidao é essencial ao auto conhecimento". Eu vivi tanto tempo, apenas comigo mesmo que quando nao estava só, me sentia tão mal, tão fora de mim mesmo, eu sempre cultivei a solidao, mais teve uma epoca que ela tava assustando-me, quase pirei com isso.
    Mais sou um ferrenho defensor da solidão, idolatro-a muito, mais as pessoas ainda resistem muito em conhecer-la, infelizes deles.
    Um abraço


    http://paulosergioembuscadotempoperdido.blogspot.com/

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  6. Amigo Paulo!
    Pois é! É aquilo: o silêncio pode revelar coisas que tanto tentam esconder, por isso é que resistem.
    A insatisfação que eles tanto não entendem sentir, vem de suas consciências...
    Coisa que nós já conseguimos digerir com menos dificuldade.
    Abraço!

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