3 de out. de 2011

Conceitos Equivocados e Preconceitos Certeiros

Seguia eu, meu caminho matinal e dominical de sempre, quando um grupo de pessoas vêm em minha direção. Era impossível não perceber que faziam parte de alguma igreja protestante e que estavam em tarefa de divulgação de sua fé. Normal. É uma tentativa nobre de levar alguma idéia de Deus aos corações alheios.
Ao passar pelo grupo, uma senhora me ofereceu gentilmente um folheto da sua igreja, no que eu agradeci e imediatamente pus-me a ler, sem deixar de caminhar. (Sim, eu leio esses panfletos. Por que não?) Neste inclusive, percebi o quanto a abordagem (de muitos) dos nossos companheiros evangélicos evoluiu, tanto no contato direto quanto na seleção dos textos bíblicos dos impressos distribuídos. A fé precisa acompanhar as necessidades contemporâneas. Precisa evoluir pra não aparentar obsolência, defasagem, atraso diante dos homens, cada vez mais difíceis de serem tocados, cada vez mais interessados no materialismo.
Esse panfleto, por exemplo, falava sobre a importância da sociedade familiar para a formação humana e sua influência direta nos rumos da sociedade geral.
-Interessante! - pensei em concordância silenciosa. Era algo absolutamente coerente e muitíssimo atual. Guardei o papel no bolso e prossegui.
Alguns metros adiante, na mesma calçada, enxerguei uma carteira feminina caída ao pé de uma amendoeira, árvore comum nas áreas urbanas do Rio. Peguei e antes mesmo de abrir, olhei pros lados, como se pudesse encontrar imediatamente quem estivesse a procurá-la. Como não tive sucesso, abri a carteira e logo vi o documento de identidade. O rosto da fotografia me era recentemente familiar: era a senhora que me oferecera o panfleto.
-Que bom! Vai me poupar uma dor de cabeça... -respirei aliviado.
Corri de volta e encontrei-a na esquina seguinte, no que lhe mostrei o achado sem nada dizer. Demonstrando absoluta falta de percepção diante da perda, a senhora se surpreendeu ao reconhecer o objeto que lhe pertencia.
-Estava perto daquela árvora, senhora. Pode conferir que só a abri pra saber se havia alguma identificação. Assim que vi sua foto, lembrei-me da sua fisionomia. -pus-me a explicar, enquanto ela sorria aliviada.
-Meu filho, Deus te abençoe! Muito obrigada!
-De nada, senhora... -e já ia me virando, de volta ao meu caminho, quando ouvi algo que me fez pedir para que repetisse. Eu poderia não ter entendido muito bem...
Ela, agora já com outros irmãos de fé a observar o acontecido, repetiu:
-Você é evangélico, não é meu filho?...
Quê? Na minha cabeça, esse tipo de coisa não entra...
Quer dizer que cumprir um dever mínimo qualquer que seja é passar o crachá de seguir essa ou aquela religião? Talvez, atitude de preto ou de branco? Torcer pra esse ou aquele time? Apoiar esse ao aquele partido? Ser eleitor desse ou daquele político? Ser formando nisso ou naquilo? Como assim? Fiquei pensando o que eu seria então, já que cumpri meu dever sem intenção de receber crachá ou rótulo algum, mas que por outro lado não fazia parte do conceito "evangélico"...
Pior que tem muita gente que acha que esse tipo de "ligação" seja digna de orgulho! Isso simplesmente não têm outra utilidade além da de exaltar-lhes a vaidade.
Penso que o homem que busca, que exige e que se encontra satisfeito sendo reconhecido pelos seus ideais de fé através dos próprios homens, não está à altura de ter sua fé reconhecida por Deus. A intenção das ações é o tesouro ou a ruína do homem. Se quem faz algo, o faz com algum interesse de ser reconhecido ou de receber regalias e privilégios, já manchou o ato.
Aliás, pra completar, o dever sincero não se cumpre diante da plateía dos homens e sim, tendo Deus como única testemunha. A mesma coisa se dá diante do seu dito "arrependimento para conversão". Afinal, quem poderá garantir-lhe a pureza de sua intenção de forma absoluta? Os homens ou Deus?
Não foi a primeira, nem a segunda, nem a décima vez que isso me aconteceu... Noutra oportunidade, numa estreitíssima calçada, escolhi passar pela rua -para dar vez a um senhor que vinha na contra-mão. Ouvi a mesma besteira!
Num certo emprego, não aceitei fazer parte de um "esquema" e lá veio a frase:
-Você é evangélico, né?
São coisas de quem não pensa muito sobre o que fala e nem sobre o que sente. Apenas falam no intuido de bajular, por algum interesse de intenção duvidosa ou pura ignorância.
E o resto das minhas ações, ignoraram? Foi tudo apagado? Me exaltam em seus conceito apenas por um mísero dever cumprido? Mas nem que fossem mil deveres! E as coisas que se passam veladamente em meu coração e que não são dignas de um cristão? Se soubessem de todos os equívocos que já me proporcionei, sem dúvida que sequer levantariam essa idéia. Certamente que eu seria excomungado, esconjurado e até mesmo exorcizado... pra não dizer, isolado da sociedade.
Por fim, como se fazer parte de uma religião -qualquer que seja!- desse alguma garantia automática de pureza e aquisição imediata de virtudes... Quem dera se a realidade fosse essa! Longe da hipocrisia, o mundo que o diga não é, meu Deus? Já foi o tempo de pensar assim.
Mas então, voltemos ao acontecimento mais recente...
Senti uma coceira na língua e tenho que admitir que uma das minhas maiores lutas íntimas é justamente superar minha intolerância diante dessas situações. Não apenas em reação, mas também em pensamento. Então, engoli seco e ri sem graça:
-Não, senhora. Cristão sim, evangélico, acredito que não. -disse-lhe.
À princípio, me pareceu pior que o silêncio, pois percebi que soou confuso. Não pela idéia que eu desejei passar, mas pela confusão que eles mesmos fazem entre "ser evangélico" -ou "ter uma religião qualquer"- e ter uma "postura critã". Percebi um murmuro preenchido com discretos sorrisos de canto e sutis sinais de reprovação...
No fim das contas, fiquei em paz. Não "agredi" ninguém com minha postura, com minhas idéias, não "choquei" ninguém com minhas escolhas. Penso que agi com bom-senso, graças a Deus. Pelo menos, dessa vez...
E segui meu rumo, "em pecado"...rs
...
Não quero ser "reconhecido" por ninguém pelo fato de estar frequentando uma igreja, sinagoga, mesquita ou centro espírita, por seguir uma doutrina, por fazer parte de um grupo ou qualquer coisa semelhante. Quero um dia ser reconhecido por Deus, pelos meus esforços e pela minha auto-superação. Que seja um mérito e não um privilégio. Até porquê sei que não será nada fácil! Eu me conheço...
O valor real do homem não pode ser avaliado por suas aquisições e ostentações. Tudo isso é fácil de ser conseguido e exposto, possível até mesmo de forma falsa. O valor real será o da sua entrega, suor e intenção. Coisas que são absolutamente íntimas.
Nossos atos, por maiores que sejam perante os homens, serão dizimados diante de Deus, se não forem simplesmente encarados como deveres. E com boa vontade...
É isso.

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