6 de fev. de 2011

Preparações para a Grande Despedida

Desde que sua velha esposa faleceu, todos os meus domingos são ao seu lado. Quer dizer, quase todos... Nesse período, umas duas ou três vezes não consequi manter a significativa rotina dominical. Mas no geral, é como se fosse.
Fazem também três ou quatro anos que a debilidade vem tomando sua saúde, às vezes de forma mais efusiva, às vezes mais sutilmente, mas sempre incessante.
O senhor sempre tentou encarar 'o fim' com certa solenidade, segurança e até mesmo com humor. E eu venho desde então dizendo que 'essas coisas não acontecem assim' e que 'tudo tem seu tempo'...
A diferença é que conforme o tempo vai passando e a vivacidade vai se perdendo, sua confiança também passou a fraquejar. Apesar do silêncio do velho-metido-a-corajoso, sua pessoa deixa dos olhos escapar a incerteza aterrorizada do porvir desconhecido e o medo da morte.
Confesso que isso também me deixa bastante assustado, mas principalmente porquê não desejo que se desespere e que no meio desse desespero, toda sua colheita de conformação se perca justamente na hora crucial... desnecessariamente.
Não importa por quanto tempo seja: ver a quem amamos sofrer é o nosso maior sofrimento. E certamente também o mais marcante e triste.
Você sabe que eu tenho certeza de que a vida continua, que só o corpo expira seu tempo útil mas... e daí? Onde existe alguma coisa nessa história que te faça compartilhar dessa filosofia reconfortante?
O meu medo é esse: observar a angústia da sua incerteza.
E esse mesmo senhor -que anda vacilando em sua fé e se mostrando um menino apavorado com o apagar do abajur no quarto escuro- tem tentado pelo menos se preparar do ponto de vista aparente para o tal momento. Este que o colocará à prova com o simbolismo quase incompreensível das escrituras religiosas que tanto admira.
Na verdade, eu mesmo dei a idéia de tentar me aproximar mais dessa figura à medida que o relógio da vida nos avança e nos consome vorazmente.
'Que tal fazer a barba todo domingo? Se for para esperar a morte, então que a indumentária preferida (?) para esse desfecho esteja devidamente pronta, os sapatos engraxados e a barba feita...'
O senhor aceitou e fechamos o contrato...
E assim tem acontecido já há alguns meses. Esperamos nós dois juntos, essa hora sempre tão supreendente, ao mesmo tempo nunca bem aceita, porém irrevogável.
Uns consideram uma conduta mórbida, outros, engraçada. Eu acho que estamos é ficando mais 'fortes' pra encarar a separação...
Afinal, que mais posso fazer? Exigir um milagre? Prometer o que não está ao meu alcance?
Da minha parte, pegar na mão desse menino vacilante -e disfarçado de velho-sabe-tudo- e caminhar ao seu lado, na estrada que avança escuridão adentro. E só soltá-la no limite da madrugada, já de frente para o dia que virá a seguir.
Sim! Serei como o pai que jura ao filho que depois da tenda negra da noite, o Sol virá novamente. E o senhor, será a criança que mesmo não acreditando no Sol, confiará no pai.
Como sempre, vou te barbear mais uma vez e me despedir. Mas torcendo pra que no próximo domingo, a tarefa não me falte e que ainda tenhamos mais um domingo para nos contemplarmos à companhia prazerosa.
Não sou egoísta em querer sua presença em qualquer estado, a qualquer custo, na dor e no sofrimento, por puro egoísmo. Mas se puder desfrutar da sua lucidez e importância, que me seja permitido sempre que possível.
E que me permita sempre uma nova despedida...

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