15 de jan. de 2011

O Terror Natural


Meus velhos pais já estavam dormindo. Júlia, minha esposa, no quarto, colocava nosso filho mais novo, Luiz, no berço. Eu estava assistindo tv, no sofá, com nosso menino de cinco anos, Lucas, dormindo tranquilamente, com a cabeça recostada em meu colo.
Chovia bastante, há mais de uma hora. Não sei, mas alguma coisa me deixava desconfortável naquele momento. Como se um alerta dentro de mim quisesse me avisar que algo aconteceria naquela noite. Eu não relaxava, uma agonia me tomava e espremia o coração. Uma grande angústia sem aparente explicação.
Foi tudo muito rápido... Algo parecido com um gigantesco estrondo distante, seguido de vários estalos. Como se grandes cordas se arrebentassem ao longo dos fundos da nossa casa. E o barulho crescia em volume e velocidade, se aproximando sem fim.
Minha mulher apareceu na porta da sala, assustada com o barulho. Seus olhos de pavor, demonstravam também que desconhecia o que era aquilo, mas que sabia que era algo ruim. Foi a última visão sua que me ficou na memória... Após o desmoronamento dos fundos da casa -onde se encontravam os quartos, a invasão chegava imediatamente aonde estávamos, na sala.
Só então consegui entender o que se passava. Uma monstruosa avalanche de lama derrubava agora nova parede e junto descia parte da lage, 'engolindo' e soterrando sem qualquer dificuldade, minha esposa.
No aguçamento do meu instinto de preservação, peguei o Lucas e corri para a porta, mas não houve tempo para abrí-la. A invasão não se detinha com nada. Fomos -meu filho e eu- pressionados pelo grande volume veloz de terra contra a parede da frente, que também se desmoronou como se fosse feita de papelão. Tentando erguer a cabeça dele para fora do mar de lama, fomos sendo levados da casa pelo terreno enquanto tudo era derrubado e arrastado pelo caminho. Eu não conseguia em momento algum me sustentar, me controlar. A quantidade, força e a violência da natureza eram tamanhas, que me forçavam incessantemente à soltar o braço do meu pequeno Lucas. Exausto, com a lama entre os dedos, perdi as forças e a aderência do contato. As pedras que nos acompanhavam nos separaram de vez. Ainda senti a ponta de seus dedinhos se desprendendo dos meus, desesperadoramente. Perdi meu filho no meio daquela correnteza de entulhos. Quanta dor em tão poucos milésimos de segundo, meu Deus!...
Pelo destino da avalanche -mais uns duzentos metros a diante, cheguei à um murro de pedras, onde não avançava mais. Os escombros e os restos de colunas se apoiavam, amontoados em minha frente. O volume de lama continuavar a crescer e a me sufocar.
À margem disso tudo, o mar de destruição seguia impiedoso pelas ruas, varrendo como pó, tudo o que se encontrava em seu caminho...
Estou aqui já há algumas horas, a chuva não cessa, e parece crescer. Já ouvi outros estrondos, ruídos de árvores sendo arrancadas com suas grossas raízes. O volume de lama só aumenta. A água me afoga.
Não sinto minhas pernas. Meu braço esquerdo está dobrado em três partes, e o direito está no meio do entulho. Os olhos me ardem, cheios de lama por baixo das pálpebras. Não consigo nem falar, que dirá gritar. E mesmo que conseguisse, não haveria ninguém que me escutasse ou que pudesse me ajudar no meio dessa devastação. Tudo foi ou está sendo destruído. Todos se perderam. Já me conformei, já me entreguei também... Agora, que seja feita a vontade de Deus.

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