18 de jan. de 2011

As Tregédias, o 'Acaso' e o Despertar


Caso 1.
"-Távamos no quarto da frente quando a casa inteira deslizou pela ribanceira... Esse morro tinha mais de cem metros de altura, moço! Agora não tem mais nada!
Foi Deus que salvou a gente..." (entre lágrimas) "Nunca acreditei Nele, mas depois disso que aconteceu... Eu senti o tamanho pequeno que sou e que só Ele é que podia salvar a gente dessa desgraça... Graças a Ele, minha família inteira salva... Graças a Deus! Foi Ele!..." (balbuciando já entre soluços)

(Essa é a entrevista dada por um dos sobreviventes da atual tragédia das chuvas na região serrana do Rio de Janeiro, à uma rádio de notícias- não me lembro se CBN ou Band News- que transformei em texto, na íntegra. Aposentado, esse senhor, sua esposa, a filha, o filho, o genro, a nora e o neto de 2 anos, escaparam apenas com ferimentos leves. Na casa do vizinho, geminada a dele, ninguém sobreviveu.)
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Caso 2.
Nos extremos da vida, estávamos -um conhecido e eu- sexta à noite tomando uma cerveja na esquina, quando ele comentou algo como 'como é que pode, num lugar com cem pessoas, um desabamento matar noventa e nove e uma sobreviver?' e continuou:
-É muito estranho o acaso... Como é que ele escolhe quem vai e quem fica?
E comentou outros diversos fatos semelhantes, onde os sobreviventes pareciam 'pinçados' do meio da tragédia, enquanto que em outras situações, as vítimas aparentavam serem 'empurradas' para a morte...
Escutei tudo sem interrompê-lo e só depois que percebi que aquilo não era apenas uma simples reflexão em voz alta, fiz menção de expor uma opinião sobre o assunto:
-Você está se contradizendo... se o acaso é o que acontece a esmo, sem se importar com nada, como é que você suspeita que ele tem poder de decisão para 'escolher'? Ou ele escolhe aleatoriamente -sem razão alguma- ou é parcial. Como você está questionando sobre o que parece ser uma escolha predestinada, então não é aleatória. Então, o 'acaso' não é o acaso. Se é parcial é intencional, e se é intencional, tem inteligência por trás... Visto que nada é parcial se não for intencional e que nada é intencional se não for inteligente...

Eu mesmo ri do rolo que estava me metendo, tentando refletir sobre algo tão sério, depois de três garrafas e meia de cerveja.
Meu amigo respondeu perguntando:
-Mas então, por quê eu -mesmo em contradição- não consigo me convencer de que o acaso não é nada além de um acontecimento sem motivo premeditado?

Disse isso com aquele ar de 'mesmo que visse, não acreditaria'. E quando o (São) Tomé assume o plantão na recepção do nosso entendimento, não há qualquer argumento que valha o esforço pra vencer a muralha do orgulho humano...
Lembrei de Voltaire, mas a idéia de que 'o que chamamos de acaso é a causa desconhecida de um efeito conhecido' e de que 'nada pode existir sem causa' poderia dar por encerrado o assunto, sem qualquer exercício maior de reflexão. (Algumas conclusões são tão ríspidas que a gente acaba entregando nas mãos do 'desconhecido', só pra não precisar continuar pensando).
Também não queria ficar falando de religião, de reencarnação, de planejamento reencarnatório, de provas e expiações, nem de Deus. Mas como falar da luz sem citar a energia? Da comunicação sem a palavra? Do aprendizado sem a lição? Da inteligência sem Deus?
Da mesma forma, do efeito sem a causa?...
Nossa! Como é difícil conversar sobre coisas mais aprofundadas e sérias com pessoas que não admitem que nem tudo o que existe pode ser tocado, compreendido ou comprovado pela ciência atual... Que volta a gente tem que dar pra tentar mostrar coisas -pra nós- tão simples! E quase nunca funciona tentar... Convicção não se impõe. E se pudesse ser imposta, não teria graça e nem mérito. Mas cada um no seu tempo e na sua necessidade...
Pra variar, dessa vez também a coisa não fluiu...

A única coisa que consegui fazer foi citar uma frase que ouvi certa vez -não sei de quem:
-'Às vezes a gente diz que quer entender, mas na verdade quer ser apenas convencido'. É por isso que nenhum argumento nos satisfaz...

Ouvi algo como:
-É pedir muito ser convencido sobre aquilo que não consigo acreditar?

Quer dizer, eu ficaria ali, gastando toda minha saliva, me desdobrando em argumentos, deixando a cerveja esquentar, na esperança improvável de fazer meu amigo incrédulo-pseudo-interessado entender através da minha palavra, algo que depende muito mais do seu próprio sentimento?
Dei uma risada discreta, percebendo que entrar nessa seria dar murro em ponta de faca e pedi outra cerveja ao balconista. E como não havia mais terreno pra cultivar o tema... o rumo da conversa precisou ser mudado. Voltamos às superficialidades...

É por isso que dizem que certos assuntos não se discutem...
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Conclusão.
Tudo isso pra transcrever o pequeno trecho de um livro que -pra quem se sente disposto realmente a tentar entender esses acontecimentos observados geralmente apenas pelo lado trágico- tem muito a ver com esses dois casos descritos acima.
Num, a compreensão imediata, diante da ameaça, a constatação da nossa pequenez perante a natureza e, consequentemente, de seu reconhecimento como obra de Deus, mesmo que a princípio, seja incompreensível.
No outro, o questionamento das 'casualidades aparentemente inteligentes' da vida, grifadas muitas vezes por 'fatalidades seletivas'.
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O texto é o seguinte:

Calamidades

Com frequência regular a Terra se faz visitada por catástrofes diversas que deixam rastros de sangue, luto e dor, em veemente convite à meditação dos homens.
Consequência natural da lei de destruição que enseja a renovação das formas e faculta a evolução dos seres, sempre conseguem produzir impactos, graças à força devastadora de que se revestem (...)
Tais desesperadores eventos impõem ao homem invigilante a necessidade da meditação e da submissão à vontade divina, do que resultam transformação morais que o incitam à elevação.
Olhados sob o ponto de vista espiritual esse flegelos destruidores têm objetivos saneadores que removem as pesadas cargas psíquicas existentes na atmosfera, que o homem elimina e aspira, em contínua intoxicação.
Indubitavelmente trazem muitas aflições pelos danos que se demoram após a extinção de vidas, arrebatadas coletivamente, deixando marcas de difícil remoção, que se insculpem no caráter, mente e nos corpos das criaturas (...)
Não constituem castigos as catástrofes que chocam uns e arrebatam outros, antes significam justiça integral que se realiza.
Enquanto o egoísmo governe os grupos humanos e espalhe suas torpes sementes, em forma de presunção, de ódio, de orgulho, de indiferença à aflição do próximo, a humanidade provará a ardência dos desesperos coletivos e das coletivas lágrimas, em chamamentos severos à identificação com o bem e amor, à caridade e ao sacrifício.
Como há podido pela técnica superar e remover vários fatores de calamidades, pelas conquistas morais conseguirá, a pouco e pouco, suplantar as exigências transitórias de tais injunções redentoras.
Não bastassem as legítimas concessões do ajustamento espiritual, as calamidades fazem com que os homens recordem o poder indômito de forças superiores que os levam a ajustar-se à sua pequenez e emular-se para o crescimento que lhes acena.
Tocados pelas dores gerais, partícipes das angústias que se abatem sobre os lares vitimados pela fúria da catástrofe, ajudemo-nos e oremos, formando a corrente da fraternidade santificante e, desde logo, estaremos construindo a coletividade harmônica que atravessará o túmulo em paz e esperança, com os júbilos do viajor retornando ditoso à Pátria da ventura.

(do Livro 'Após a Tempestade', de Joana de Ângelis, psicografia de Divaldo Pereira Franco, editora LEAL)

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