13 de dez. de 2010

À Margem


Estava lá, deitado, apagado, quase semi-morto.
Na calçada, de língua aparente, seca, baforida.
Certamente que anestesiado pelo álcool.
Mal acomodado, torto, descalço.
Do jeito que se encostou, ficou.
Maltrapilho, barbado, sem banho, mal-cheiroso.
Lanhado, ferido, asperoso, asqueroso...
Cabeludo, com extremidades e entranhas enegrecidas.
Sem sequer um cão sarnento que lhe velasse o topor.
Apenas as moscas a lhe servirem de auréola.
Estava lá...
Pra quem quer que olhasse.
Pra quem quer que quisesse ver.
Mas ninguém queria...
E daqueles que olhavam, eram também indiferentes.
Eu mesmo assim me vi, assim também o fiz...
Alguns sequer o exergavam, e se pudessem, pisavam.
Outros, já complacentes, passavam...
E partiam, cada um no seu rumo, cada qual com sua importância maior.
Aquele infeliz era muito pouco para a atenção de alguém.
Pena? Talvez.
Compaixão? Nem pensar.
E se observavam, viam apenas o efeito, a carcaça, a desgraça já feita.
E como se estivessem a aliviar suas consciências, já o julgavam e o condenavam.
'Vagabundo, cachaceiro, pobre diabo, viciado...'
Agora sim, poderia ser aquilo tudo.
Mas e antes?
Já foi criança um dia? Teve família? Teve amor? Teve amigos? Oportunidades? Acesso? Sofreu? De que? Deveu? Pra quem?
Cada um pro seu lado... Quem se importa?
Perder tempo pensando nisso pra quê?
Cada um pra sua casa, pro seu 'porto'.
Pois que pelo menos, temos algum lugar pra chegar.
Um teto, uma cama, um alguém...
Não um caminhar sem começo, sem meio e sem rumo.
E aquele ser, após acordar, pra onde iria?
Pra próxima esquina? Outro viaduto ou banco de praça? Porta de bar a mendigar nova dose? Para o próximo cigarro ou novo vício?
Desnorteados que são, indignos de viverem com um mínimo de decência.
Amaldiçoados à vagar como mortos-vivos por aí...
Relegados a menos que animais irracionais.
Por isso mesmo que muitos preferem viver quase que inconscientes... e quando começam a recobrar a noção da vergonha, recorrem novamente às suas fugas.
Crianças, jovens, adultos, velhos...
Doentes, deficientes físicos e mentais, natos ou adquiridos...
Renegados, negados, largados, excluídos, esquecidos, abandonados, rejeitados, irrelevantes, repulsivos, negligenciados, marginalizados...
Adentrando a porta do crime, empurrados ao vício...
Ainda assim, seres humanos.
Não importa a ordem cronológica dos fatos...

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