15 de mar. de 2013

A verdade incompleta

Entrou decidido, ignorando a fila comprida que serpenteava dentro do banco, parando ao lado do guiche número três. A ideia era não olhar para o próximo a ser atendido, mas sentiu-se incomodado com a possibilidade de ser confundido com um fura-filas, e avisou ao senhor que iria apenas trocar duas palavras com a atendente do caixa. Houve acordo.
A moça, uma pequena loira de lábios grossos e olhar lânguido, olhou-o por sobre os óculos e acenou discreta, dando a entender que já o havia percebido para possível troca de informações. Era comum.
Simplesmente vestida, de camisa social branca, com mangas dobradas até os cotovelos e uma saia marrom pouco acima dos joelhos, contou as cédulas do homem suado que atendia e passou o boleto na leitora laser. Entregou-lhe o comprovante e troco e não apertou o botão para chamar a senha. Olhou mais uma vez na direção do rapaz que esperava e fez menção de chamá-lo:
-Pois não?
-É... você estava de férias, não? Voltou hoje?
-Sim...
-Pois é, senti sua falta. Faz tempo que tento arrumar um jeito de te dizer que penso muito em você. Que tantas vezes que venho aqui, poderia resolver tudo no caixa eletrônico, mas faço questão de vir aqui te ver, mesmo sob o risco de não ser atendido por você.
Ela, de olhos espantados, sem dizer uma palavra, mas com a boca de lábios grossos entreaberta só observava. E ele insistia:
-E... bem, eu só queria que você soubesse disso. Depois de uma semana sem te ver, perguntei praquela atendente ali sobre você e ela me falou que sua ausência era por conta das férias. Foi um alívio que você nem imagina... -disse sorrindo, nervoso que só.
Ela também sorriu muito envergonhada, sem conseguir olhar em seus olhos, sem saber o que dizer. E ele continuava:
-Se você some, eu iria ter que arrumar outra inspiração pros meus dias atuais, tão sem graça, tão cansativos. Pô, você nem imagina o quanto ver você faz bem... Pelo menos pra mim.
A moça, mais perdida do que nunca, só ficava vermelha. E o rapaz, percebendo que a conversa poderia atrapalhar o andamento do serviço, fechou a conta:
-Bom... era isso. Até amanhã.- despediu-se ele, denotando certo alívio pelo desabafo sentimental.
-Até amanhã -balbuciou a pequena, ficando pensativa por alguns segundos até chamar o próximo cliente.
E no dia seguinte, durante várias vezes, ela, sempre muito discreta, buscava fora das lentes, o rapaz que lhe confessara as impressões de forma tão "incompreensível". "Seria louco? Um maníaco? Mas parecia tão sóbrio e decidido. Nunca o havia percebido. Que estranho aquilo tudo" -era só o que lhe passava na mente.
As horas se foram, o expediente acabou e nada dele aparecer. Quem sabe na saída? Mas nada.
E assim também foram os dias seguintes, as semanas, os meses... Nunca mais o seu admirador apareceu. Ninguém sabe o que se deu.
Foi assim, um fim sem graça. Ela sem qualquer informação sobre o sujeito. E por mais absurdo que fosse, cogitou a possibilidade dele, apenas por demonstrar o que sentia, fazê-la feliz como poderia jamais ser com outro alguém. Seria? Vai saber...
As oportunidades nem sempre são tão claras quanto esperamos. Talvez, se fosse fora do expediente ou em outro lugar. Talvez se tivesse ousado e pedido um contato. Talvez sequer fosse mesmo uma oportunidade.

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